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Direitos Humanos

Liberdade de expressão e a proteção de denunciantes de corrupção: um marco na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Liberdade de expressão e a proteção de denunciantes de corrupção: um marco na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Uma sentença adotada recentemente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) desenvolve em profundidade o vínculo existente entre o direito à liberdade de expressão e a proteção de denunciantes de atos de corrupção, um assunto pouco abordado até o presente pela jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Trata-se de uma decisão com um valor crítico para a região: pela primeira vez, o tribunal de direitos humanos em nível regional delimita a obrigação estatal de proteger funcionários e outras pessoas que denunciam corrupção – tanto por meio de canais internos como da imprensa – frente a processos disciplinares abusivos, represálias laborais e outro tipo de retaliações, e a vincula com o artigo 13 da Convenção Americana que protege o direito à liberdade de expressão.

De fato, o tribunal interamericano condenou o Estado do Equador pela violação de diversos direitos de Julio Rogelio Viteri Ungaretti, um oficial naval equatoriano que denunciou irregularidades em contratações militares a nível das instituições estatais às quais servia, a partir do que foi acusado de “ofender e afetar a disciplina militar”. Em decorrência de suas declarações públicas, também foi vítima de detenções arbitrárias, transferências e distintos processos disciplinares que frustraram sua carreira militar.

Viteri pertencia à Marinha do Equador e exercia a função de Agregado Naval e de Defesa no Reino Unido quando os fatos ocorreram. Em 2001, ele informou, por meio de canais institucionais, os Ministérios da Defesa e das Relações Internacionais sobre uma série de supostos casos de corrupção nas contratações de seguros para aeronaves militares de seu país, dos quais tinha conhecimento. Longe de abrir as investigações correspondentes sobre os fatos denunciados, as autoridades militares equatorianas impuseram a Viteri severas sanções de prisão. Além disso, as mesmas autoridades sancionaram e transferiram o denunciante para um destino de hierarquia inferior, alegando que ele havia falado à imprensa sem “a devida autorização de seus superiores hierárquicos”.

Em um continente onde o flagelo da corrupção continua sendo um fator que mina a estabilidade democrática e afeta o desenvolvimento econômico e social, esta sentença constitui um marco capaz de promover mudanças legislativas e boas práticas judiciais na região. De fato, a Corte ressalta “a importância da proteção contra represálias de denúncias de fatos de corrupção para promover uma cultura de responsabilidade e integridade públicas e evitar um efeito intimidatório em relação a potenciais futuros denunciantes”.

No aspecto dogmático, esta decisão também é relevante, uma vez que em sua análise a Corte considera a corrupção como um assunto de interesse público cuja divulgação, através da preservação da confidencialidade dos denunciantes, requer uma proteção reforçada do Estado; em palavras da Corte, a proteção de denunciantes permite que esse tipo de fato que afeta múltiplos direitos seja conhecido pela sociedade e processado pela Justiça.

Mecanismos de denúncia e proteção de denunciantes 

 Ao ponderar os direitos em jogo, a Corte entendeu que Viteri, como membro das Forças Armadas do Equador, tinha o direito e o dever de fazer uso de seu direito à liberdade de expressão para alertar sobre os supostos fatos de corrupção que conheceu durante o exercício de suas funções. 

Por unanimidade, os membros do Tribunal lembraram que a corrupção tem dado origem a pronunciamentos de diferentes organismos internacionais e ao surgimento de instrumentos internacionais e regionais para efetivar seu combate e persecução judicial. A juízo da Corte, os supostos fatos de corrupção ventilados no caso revestem um claro interesse público, por se tratar de atuações de funcionários públicos no exercício de suas funções que têm impactos no gozo dos direitos humanos das pessoas. 

O Tribunal determinou que existe um legítimo interesse da sociedade em conhecer a denúncia de fatos de corrupção, pelo que constitui um discurso especialmente protegido à luz do artigo 13 da Convenção. Esta qualificação determina que se apliquem a este tipo de discursos os requisitos estabelecidos no artigo 13.2 da Convenção, a respeito deste tipo de discursos: determinação por lei, aplicadas de forma estrita e da maneira que afete em menor medida o exercício do direito.

De acordo com a sentença, os Estados não podem restringir essa liberdade “ilegitimamente ou por atos normativos ou administrativos ou por condições de fato que coloquem, direta ou indiretamente, em situação de risco ou maior vulnerabilidade aqueles que exercem ou tentam exercer a liberdade de expressão”. 

A sentença sublinha que a obrigação de denunciar também está contemplada na Lei Modelo da Organização dos Estados Americanos sobre Denúncia de Atos de Corrupção. Lá, as pessoas que realizam essa tarefa foram qualificadas como “denunciante de irregularidades” ou “denunciante de boa fé”, acrescenta. 

A sentença também aborda o padrão de veracidade que se aplica às pessoas denunciantes, em particular funcionários públicos que conhecem fatos irregulares e ao mesmo tempo estão submetidos a um regime disciplinar. De acordo com a Corte, aqueles que denunciam deveriam verificar os fatos, mas não é necessário “estabelecer a autenticidade das informações divulgadas” para exigir a proteção, estabelecendo um limiar mais flexível do que deve ser alcançado pelos operadores de justiça. 

Por outro lado, a Corte ratificou que o jornalismo e os meios de comunicação desempenham um papel central no combate à corrupção, ao sublinhar que os denunciantes poderão recorrer legitimamente a outras vias, como a divulgação pública, para realizar as denúncias, especialmente no contexto de Estados que não sejam eficazes ou confiáveis em proteger quem denuncia.

Medidas efetivas para facilitar e proteger denunciantes 

Após desenvolver o raciocínio exposto, a sentença reafirma a obrigação estatal de garantir o exercício do direito à liberdade de expressão e facilitar a denúncia de supostos fatos de corrupção por parte de funcionários públicos. 

E enfatiza que, para tornar efetiva essa obrigação, os estados devem adotar medidas para proteger a identidade do denunciante e a confidencialidade da denúncia, preservar sua integridade e adotar disposições legais que impeçam a sanção ou demissão injustificada por denunciar ou divulgar esse tipo de fato. 

Além disso, o Tribunal considerou que, na ausência de disposições que contemplem mecanismos de denúncia de corrupção e proteção dos denunciantes, o Estado descumpre sua obrigação de adotar disposições internas para o exercício da liberdade de expressão

A Corte também estabeleceu a violação do direito ao trabalho do militar (artigo 26 da Convenção), relacionado ao artigo 13, devido ao fato de que o Estado equatoriano não assegurou a estabilidade laboral do denunciante e a perseguição desencadeada o levou a pedir a baixa da Marinha e, por fim, a perder o sustento dele e de sua família.

Leia mais: https://dplf.org/libertad-de-expresion-y-proteccion-de-denunciantes-de-corrupcion-avances-en-la-jurisprudencia-de-la-corte-idh/

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