O governo federal determinou a criação de um grupo de trabalho interministerial encarregado de propor uma solução para uma disputa territorial que se arrasta desde a década de 1980.
Composto por representantes de 12 órgãos federais, da Aeronáutica e de comunidades quilombolas, o grupo de trabalho (GT) deve encontrar formas do governo conceder às comunidades remanescentes o título de propriedade das terras, antes ocupadas por seus antepassados, sem criar empecilhos às operações do centro de lançamento de foguetes existente no local, a cerca de 100 quilômetros de São Luís.
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O decreto que institui o GT foi publicado no Diário Oficial da União desta quarta-feira (26), dia em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos começa a julgar a denúncia de que o Estado brasileiro violou os direitos de famílias quilombolas ao expulsá-las de suas terras, na década de 1980, para construir a Base de Alcântara, no âmbito do Programa Espacial Brasileiro.
Assinado pelo presidente em exercício, Geraldo Alckmin, pelo ministro Rui Costa (Casa Civil) e pelo advogado-geral da União adjunto, Flávio Roman, o Decreto 11.502 estabelece que, além de propor alternativas para a titulação territorial, o grupo de trabalho também deverá formular proposta de ato normativo que regulamente o Protocolo de Consultas Prévias, Livres e Informadas às Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara.
O grupo de trabalho terá o prazo de um ano para apresentar o relatório final, considerando princípios como o respeito à autodeterminação das comunidades quilombolas, bem como o direito destas à integridade territorial e à plena efetividade de seus direitos sociais, econômicos e culturais e ao modo de vida tradicional quilombola, bem como à participação social direta na elaboração e execução de políticas públicas que as afetem diretamente.
O GT será composto por um representante da Advocacia-Geral da União (AGU), que coordenará os trabalhos, e dos ministérios da Casa Civil; Ciência, Tecnologia e Inovação; Defesa; Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Direitos Humanos e da Cidadania; Igualdade Racial; Relações Exteriores e da Secretaria-Geral da Presidência da República, além da Agência Espacial Brasileira; do comando da Aeronáutica; da Fundação Cultural Palmares; do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e por quatro representantes das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara.
Entenda o caso
O Centro de Lançamento de Alcântara foi construído nas proximidades da capital São Luís na década de 1980 pela Força Aérea Brasileira (FAB), como base para lançamento de foguetes. Na época da construção, 312 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram retiradas do local e reassentadas em sete agrovilas. Alguns grupos permaneceram no território e, conforme os denunciantes, sofrem com a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.
Em 2001, representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (Mabe), da Justiça Global, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e da Defensoria Pública da União (DPU) apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O grupo acusa o Estado brasileiro de ter cometido violações com a instalação do centro, com desapropriação e remoção compulsória de famílias quilombolas. Segundo a denúncia, a perda do território causou impacto no direito dessas comunidades à cultura, alimentação, educação, saúde e livre circulação. Além disso, não foi concedido aos quilombolas os títulos definitivos de propriedade.
Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território. O Incra identificou e delimitou a área em 2008.
Cinco anos após a apresentação da denúncia, a comissão a considerou admissível. Em relatório de 2020, após audiências feitas em 2008 e 2019, o grupo recomendou que o governo brasileiro fizesse a titulação do território tradicional, consulta prévia aos quilombolas sobre o acordo firmado pelo Brasil e os Estados Unidos (que permite atividades espaciais de companhias norte-americanas na Base de Alcantâra, chamado acordo de salvaguardas tecnológicas) no ano anterior, reparação financeira para os removidos e pedido público de desculpas.
As recomendações não foram seguidas pelo governo brasileiro. Dessa forma, a comissão levou o caso à Corte Internacional em janeiro de 2022.