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Paixão pela profissão mantém médicos longevos na ativa


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A paixão pela medicina é o que move três especialistas com mais de 80 anos que continuam na ativa, vencendo o preconceito daqueles que acreditam que uma pessoa nessa faixa etária deve ficar em casa e descansar.

Um desses profissionais é a nefrologista Deise de Boni Monteiro de Carvalho, de 85 anos, sendo 65 deles passados dentro de hospitais, trabalhando. Em entrevista à Agência Brasil, ela diz que não pensa em parar de trabalhar e que não sente preconceito no dia a dia.

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“Eu trabalho o tempo inteiro e, na medida em que fui ficando mais longeva, eu sou até mais respeitada, mais solicitada. Não sinto preconceito não, nem por ser mulher, nem por ser velha. Ainda não pensei em deixar de trabalhar. Eu não sei fazer outra coisa também”, conta Deise, que é aposentada do Ministério da Saúde.


Brasília (DF), 30/10/2025 - Nefrologista Deise de Boni Monteiro de Carvalho. Foto: Deise de Boni/Arquivo pessoal
Nefrologista Deise de Boni Monteiro de Carvalho diz que não sente preconceito por ser mulher e pela idade – Foto: Deise de Boni/Arquivo pessoal

Uma das pioneiras no setor da nefrologia no país, Deise de Boni integrou a equipe que realizou o primeiro transplante renal feito em São Paulo, em 1965, no Hospital das Clínicas, e é uma das fundadoras da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Atualmente, é chefe dos serviços de Nefrologia dos hospitais São Vicente de Paulo (HSVP) e São Francisco na Providência de Deus (HSF), ambos na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, onde coordena a equipe de transplantes renais

O HSF é o principal centro transplantador renal do estado do Rio e o segundo maior do país. Sob sua coordenação, já foram realizados 2.751 transplantes renais na unidade, até o último dia 24, desde o início do serviço, em 2013. Com sua simpatia e dedicação, Deise já fez parte de momentos importantes na vida de seus pacientes, tendo comparecido, inclusive, ao casamento de um deles, no Acre.

Para as pessoas consideradas idosas, acima de 60 anos, ela aconselha: “Não pare de trabalhar. Seja útil. O trabalho me deixa ligada, você lida com gente de várias idades, com jovens”.

Atualmente, a equipe que Deise coordena é toda “pediátrica”, como ela mesma brinca. Ela considera esse fato muito positivo, porque são cabeças mais arejadas, e o intercâmbio é positivo. “Eu não sei se eles têm preconceito. Se têm, eles escondem”, diz a médica sorrindo.

Família longeva

O cirurgião cardíaco Henrique Murad, de 82 anos, segue trabalhando por uma razão principal:

“Gosto muito de trabalhar; gosto do que faço, apesar de ter muitos outros interesses. Gosto de cinema, de teatro, não vou mais jogar futebol porque não dá, mas eu gosto da vida e de trabalhar. É prazeroso”, diz.

Henrique Murad vem de uma família em que seu pai trabalhava muito. “Minha mulher trabalha muito; meus filhos trabalham muito. Faz parte da vida. Não é esforço nenhum. Foi assim que a gente foi educado e é assim que a gente continua.”

Na família dele, a bisavó morreu com 98 anos; o pai, com 94; e a mãe, que ainda nadava aos 87 anos, faleceu com 98 anos.

Em razão de um problema de saúde (estenose do canal medular), o médico resolveu parar de operar ao completar 80 anos e mudou de foco, dedicando-se a partir daí ao consultório, ao ensino e à editoria de uma revista médica.


Brasília (DF), 30/10/2025 - O cirurgião cardíaco Henrique Murad. Foto: Henrique Murad/Arquivo pessoal
Para o cirurgião cardíaco Henrique Murad, não se deve desprezar um profissional em função da idade, porque se perde muito conhecimento – Foto: Henrique Murad/Arquivo pessoal

Em entrevista à Agência Brasil, Murad cita diretriz da Sociedade Americana de Cirurgia Geral que orienta que o cirurgião idoso é muito importante pelo conhecimento adquirido e por poder passá-lo para outros profissionais, por isso é uma mão de obra que não deve ser dispensada. A regra, porém, tem que ser adaptada.

“Tem gente que está ótimo aos 95 anos e tem gente que, com 70, está horroroso. Por isso, não adianta fazer uma regra que vale para todos”, avalia.

Para Murad, não se deve desprezar um profissional em função da idade, porque se perde muito conhecimento. “Ela [a regra da Sociedade Americana de Cirurgia Geral] advoga que se avaliem as condições do médico. Se ele estiver bem, continua operando, continua trabalhando enquanto puder. Acho que essa é uma política boa.”

Referência brasileira na realização de cirurgias de aorta, Henrique Murad mantém-se ativo no serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP-RJ), que chefiou por 40 anos. “Trabalhar para mim não é esforço”, assegura ele, que responde por cerca de 5 mil cirurgias de coração durante sua trajetória profissional de quase 60 anos. É ainda imortal da Academia Nacional de Medicina (ANM). No próximo dia 9 de dezembro, ele falará exatamente sobre etarismo na medicina, durante a Jornada Médica do HSVP-RJ.

Mesma rotina há mais de duas décadas

Com 95 anos de idade, completados no último dia 28 de outubro, o cirurgião José Badim (à esquerda na foto principal) continua com a mesma rotina de quando fundou o hospital que leva seu sobrenome, há 24 anos. Ele acorda às 5h, toma café e vai para a unidade, situada na Tijuca, zona norte do Rio, onde atende pacientes em consultas e realiza cirurgias.

Indagado sobre o porquê de continuar trabalhando, Badim respondeu que, acima de tudo, por amor à profissão e ao ser humano.

“Me sinto maravilhosamente bem. Vou ao hospital todos os dias. Chego cedo, passo visita aos pacientes e ainda opero. Adoro essa rotina. Só vou parar se algo me impedir, uma doença. Enquanto estiver apto e com as mãos firmes, continuo.”

Para José Badim, o contato com o paciente exige muita dedicação e altruísmo e, mesmo com o conhecimento da técnica, o médico não pode descuidar da visão humanitária do cuidado. “Trabalho até hoje em razão de adorar fazer medicina. A medicina é um estímulo contínuo para mim. Ela me mantém vivo. Se eu pudesse voltar no tempo e optar novamente, faria a mesma escolha de vida, sem dúvida alguma.”


Brasília (DF), 30/10/2025 - O médico José Badim. Foto: José Badim/Arquivo pessoal
O médico José Badim diz que um profissional precisa estar sempre atualizado para ser respeitado – Foto: José Badim/Arquivo pessoal

Perguntado se já sofreu discriminação por continuar na ativa, apesar da idade, ele disse que um profissional precisa estar sempre atualizado para ser respeitado.

“Eu assisti e vivi todas as mudanças na medicina nos últimos 60 anos, e a evolução é brutal. Hoje, não fazemos nada sem a ajuda da tecnologia. Antes, o médico tinha que abrir o tórax; agora, fazemos dois ou três furos para tratar o mesmo problema e, no dia seguinte, o paciente vai embora para casa. Um avanço fantástico”, destaca.

“Essa evolução vem proporcionando melhor diagnóstico, melhor cura em mais curto prazo, maior economia, retorno à vida normal em menos tempo, melhor qualidade de vida. É fundamental buscar sempre a atualização técnica. A medicina evolui rapidamente, e o médico precisa estar receptivo à colaboração das novas tecnologias e dos novos tratamentos na sua prática médica”, acrescenta.

Para José Badim, o etarismo não o afeta de maneira nenhuma. “A longevidade depende do cirurgião. Normalmente, quando chega aos 60 ou 65 anos de idade, o homem começa a desenvolver um certo tremor nas mãos. Quando isso acontece com o cirurgião, ele resolve parar, porque isso é incompatível com a cirurgia”, diz.

“Com a mão firme, podendo fazer um corte limpo, o profissional não precisa se aposentar. É exatamente assim que me sinto: seguro para operar. E entro no centro cirúrgico com o maior prazer. Sou uma pessoa ativa demais para me aposentar. A mente trabalhando, ativa e estimulada pelas obrigações e responsabilidades, nos mantém vivos. Isso é um aspecto que deve contar muito para a aposentadoria”, complementa.

Formado em 1956 pela Faculdade Nacional de Medicina, José Badim especializou-se em cirurgia plástica e reconstrutiva pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, onde atuou por sete anos. Ele voltou ao Brasil em 1963, onde realizou dois procedimentos pioneiros no país: os primeiros implantes de mão e de couro cabeludo. O cirurgião ganhou notoriedade em 1972, ao atender as vítimas de uma explosão na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), realizando enxertos de pele humana nas pessoas que tiveram parte do corpo queimada no incêndio.

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