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Fruto da mobilização indígena, Apib completa 20 anos


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Principal instância de mobilização dos povos originários, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) completa duas décadas em 2025. Criada durante o segundo Acampamento Terra Livre (ATL), evento que, em 2025, chegou a sua 21ª edição, integrando o chamado Abril Indígena, a entidade tornou-se uma referência nacional, promovendo a união entre as centenas de etnias que habitam o país.

Às vésperas do Dia dos Povos Indígenas, data que promove a diversidade e a riqueza das culturas dos povos originários, chamando a atenção para a luta dos quase 1,7 milhão de brasileiros que, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se declaram indígenas, a Agência Brasil entrevistou duas lideranças do movimento que participaram ativamente da criação da Apib.

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O hoje chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério dos Povos Indígenas, Jecinaldo Barbosa Cabral, do povo sateré-mawé, era coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) quando lideranças indígenas decidiram que o movimento precisava de uma nova instância de representação nacional, nos moldes de experiências anteriores. Francisco Avelino Batista, o Chico Preto, do povo Apuriña, que militava no movimento desde o fim da década de 1970, foi um dos primeiros coordenadores da Apib.

Para ambos, a trajetória da entidade é parte de um longo processo de resistência e luta dos povos originários. Uma trajetória marcada por sucessivas iniciativas que, a partir da década de 1970, foram sendo colocadas em prática com o propósito de organizar a mobilização indígena em nível nacional.

“Esta discussão começou a tomar forma nos anos 70. Inicialmente, de forma tímida e bastante reprimida. Afinal, estávamos em plena ditadura militar e [o povo] não podia fazer mobilizações”, disse Francisco, acrescentado que a abertura política, em 1985, e a promulgação da Constituição Federal, em 1988, trouxeram, pouco a pouco, novas oportunidades para a organização indígena, culminando com a criação da Apib.

“O objetivo era articularmos um movimento nacional. Porque a Coiab, que desde 2002 contava com um escritório de representação em Brasília e uma forte atuação em nome dos povos originários da Amazônia, não tinha condições [legitimidade para] falar em nome dos povos indígenas de outras regiões”, afirmou.

Francisco destaca iniciativas e entidades que antecederam a Apib e que, de alguma forma, serviram de exemplo, como as Assembleias Indígenas, realizadas durante a década de 1970, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); a União das Nações Indígenas – Uni (fundada em 1980); o Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil – Capoib (1992) e o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – FDDI (2004).

“Mesmo considerando todas as dificuldades, desde há muito tempo nós começamos a nos articular. Primeiro, regionalmente, em diferentes partes do país. E a partir dos anos 1980, nacionalmente, com a Uni. A partir daí, novas organizações regionais foram sendo criadas, como a própria Coiab. E embora a Uni e a Capoib tenham deixado de existir e, no início dos anos 2000, tenhamos passado cerca de cinco anos sem uma representatividade nacional, estas entidades regionais se fortaleceram e foram fundamentais para seguirmos pensando na melhor forma [do movimento restabelecer uma instância nacional”, explicou.

 Representatividade

De acordo com Jecinaldo, o Acampamento Terra Livre (ATL), cuja primeira edição ocorreu em 2004, serviu de catalisador para que os povos indígenas voltassem a unificar suas lutas, definindo uma pauta conjunta e potencializando a capacidade do movimento cobrar respostas do Poder Público. Segundo ele, o hiato de cinco anos que o movimento indígena passou sem uma instância de representação nacional, no início dos anos 2000, foi ocasionado por “um racha” por ocasião dos 500 anos do Descobrimento (ou “invasão”, como preferem muitos indígenas).

“Mas então, em 2004, fizemos o primeiro acampamento, com 80 pessoas acampadas próximas ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. E concluímos que precisávamos de uma representação nacional. Avaliamos os erros e os acertos do passado e decidimos que, ao contrário das instâncias e entidades anteriores, não deveríamos concentrar o poder decisório em uma ou poucas pessoas”, disse.

Assim, segundo Jecinaldo, cada região deveria estar representada. “Pensamos em um novo formato e começamos a fazer vários seminários regionais, criando condições para avançarmos com a criação da Apib, anunciada em meados de 2005, na esteira do segundo ATL”, acrescentou, destacando a importância das representações regionais.

“Até hoje a APIB não tem um presidente. Tem um colegiado, com representações da Amazônia, do Nordeste, do Sul, do Centro-Oeste e do Sudeste”, detalhou Jecinaldo, explicando os pontos de convergência do movimento.

“Ficou claro que nossas questões internas eram menores que nossas grandes bandeiras de luta a nível nacional. Sendo a luta pelo reconhecimento do nosso direito às nossas terras tradicionais, à demarcação dos nossos territórios, a principal dessas bandeiras”, disse.

“A outra reivindicação comum diz respeito à mobilização contra os projetos de lei e emendas à Constituição que tramitavam e tramitam no Congresso Nacional e que violam ou tentam acabar com nossos direitos. O outro ponto consensual é a necessidade de incidirmos nas políticas públicas, que sempre vieram de cima para baixo, sem a participação dos principais interessados, nós, os indígenas”, elencou Jecinaldo.

Os dois entrevistados concordam que, ao longo de duas décadas, a Apib e a mobilização nacional permitiram aos povos originários conquistar avanços significativos, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a ocupação de espaços de poder por lideranças indígenas, como o comando do próprio ministério, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.

“Isto tudo é fruto da atuação da APIB. Porque com ela e com a articulação nacional, vimos o crescimento do movimento indígena, o surgimento de novas lideranças, principalmente entre as mulheres e jovens”, afirmou Jecinaldo, admitindo que ainda há muito o que fazer para que as conquistas políticas cheguem aos territórios, beneficiando a todas as comunidades.

“Ainda não garantimos plenamente o direito constitucional dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Em parte, porque os interessados [em barrar a demarcação das áreas da União de usufruto exclusivo indígena] não estão só nos territórios em conflito. Eles também estão no Congresso Nacional, onde nós também já chegamos, mas somos minoria absoluta. E a implementação de qualquer política, de qualquer ação, depende da aprovação do Congresso”, acrescentou Francisco. 

Apesar de tudo, Jecinaldo e Francisco são otimistas quanto a manutenção da mobilização nacional indígena. E também do futuro da Apib. Que, na semana passada, reuniu entre seis mil e oito mil indígenas de ao menos 135 etnias que viajaram a Brasília para participar do 21º Acampamento Terra Livre. 

Em um texto coletivo [A Resposta somos Nós: Vinte anos de APIB e a Emergência Climática], divulgado no último dia do encontro, os povos indígenas reafirmam “a importância da resistência e da luta coletiva” e sustentam que “a APIB e o ATL se tornaram expressões vivas de mobilização e resistência na luta pelos direitos indígenas fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988.

“O movimento tem feito um trabalho de conscientização, de divulgação, e segue se estruturando para aperfeiçoar sua comunicação. Neste momento, não vejo nenhuma preocupação. Pelo contrário. Acho que o movimento vem se fortalecendo”, comentou Francisco.


Brasília (DF), 10/04/2025 - Indígenas de várias etnias participam da marcha do acampamento terra livre (ATL).
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Acampamento terra livre 2025, A Resposta somos Nós: Vinte anos de APIB e a Emergência Climática. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

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“Acredito que, hoje, a Apib tem condições de chegar aos 50 anos. Basta sempre nos lembrarmos dos pilares e dos princípios sobre os quais ela foi criada. Não é dizer que a articulação nacional está consolidada, porque ela está em constante construção, mas, hoje, ela tem força. As regionais, as bases, a sustentam. Portanto, basta que os que estiverem à frente sigam respeitando as bases. Que mesmo quando surgirem assuntos espinhosos [para o movimento], todos se sentem e discutam as soluções”, endossou Jecinaldo.

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